04 janeiro 2008

Comunicação, identificações e imagem-conceito

Resumo
Em uma perspectiva de complexidade – paradigma proposto por Morin – neste estudo procura-se refletir sobre as noções de identidade/alteridade e os processos identificatórios. A partir da possibilidade de identificação, afirma-se a existência de consistências identificatórias que se atualizam em diferentes níveis de temporalidade e intensidade.

A consistência identificatória, da qualidade do semovente, realiza-se pelas/nas tensões de um conjunto de elementos-força, tais como o imaginário, a cultura, a psique, as condições de produção e interpretação, os repertórios, o processo histórico e as estruturas. Da mesma forma, aponta para implicações dos processos identificatórios na construção e/ou fabricação da imagem-conceito das organizações, instituições e/ou pessoas.

Palavras-chave: comunicação; imagem-conceito; complexidade; identificações; cultura


Pressupostos
Atualmente fala-se muito em visibilidade, reconhecimento, fidelização/lealdade de clientes, reputação. Assim, a idéia de imagem-conceito institui-se como fundante das relações político-econômico-sócio-culturais.

[...] compreendida/explicada como um construto simbólico, complexo e sintetizante, de caráter judicativo/caracterizante e provisório, realizada pela alteridade (recepção) mediante permanentes tensões dialógicas, dialéticas e recursivas, intra e entre uma diversidade de elementos-força, tais como as informações e as percepções sobre a entidade (algo/alguém), o repertório individual/social, as competências, a cultura, o imaginário, o paradigma, a psique, a história e o contexto estruturado(Baldissera, 2004, p. 278),

a imagem-conceito realiza-se independentemente da vontade dos diferentes sujeitos-dentitários (entidades) articulados na tensão relacional. Assim, “[...] uma única propriedade pode ser suficiente para que o sujeito caracterize sinteticamente a entidade” (Baldissera, 2004, p. 278).

Cabe ressaltar que a imagem-conceito é da qualidade do simbólico, isto é, presos à teia simbólica culturaimaginário, os sujeitos percebem, apreciam, apreendem, interpretam, caracterizam e julgam o entorno (sua alteridade), atribuindo-lhe valor simbólico, independentemente de tal significação ser adequada, verdadeira ou não. A imagem-conceito não é da qualidade do verdadeiro, mas do que parece ser, do que é reconhecido como tal. Gomes é incisivo ao afirmar que “a rigor, chamamos de imagem de alguém ou algo aquilo que algo ou alguém nos parece ser. Ora, sabemos que parecer e ser nem sempre coincidem e que sempre estamos tentando corrigir a nossa percepção” (1999, p.154, grifos do autor). Construída mediante processos perceptivos/percepções (parecer), a imagem-conceito de uma determinada entidade, como construto simbólico, pode dar conta da complexidade que é a entidade que sintetiza, caracteriza e julga, por mais que essa não seja condição para se atualizar. Da mesma forma, porém em direção contrária, pode ocorrer que, em diversos níveis de distanciamento, a imagem-conceito se afaste da identidade que representa. Em casos extremos, pode ocorrer de a imagem-conceito revelar pouca ou nenhuma coerência/equivalência com o que é a entidade.

Evidencia-se, assim, a centralidade da alteridade (entendida como qualquer indivíduo, grupo, público, sociedade, organização) no processo de construção da imagem-conceito e, portanto do seu lugar3 (cultura, imaginário, psique, processo histórico, dentre outras coisas) de construtora. Ela dará o veredicto. Essa compreensão vem ao encontro da pertinente crítica às empresas e às consultorias de marketing, realizada por Iasbeck, quando afirma que elas experimentam “a ilusão de que seu discurso é capaz de “fabricar” imagem favorável, revertendo na direção pretendida, os vetores da transformação” (1997, p. 139, grifo do autor). Isso não significa afirmar a impossibilidade de se materializar ações estratégicas (processo de “fabricação” de imagem) que, de alguma forma, venham a estimular, orientar, persuadir, seduzir a alteridade a realizar construções de imagem que atendam aos interesses da engenharia de fabricação da imagemconceito.

Ressalta-se, porém, que não se trata de uma situação de compra e venda – “um toma lá dá cá”; a oferta de sentidos não garante a apropriação de uma dada significação pela alteridade, nem tampouco coerência interpretativa. O repertório que cada sujeito construiu historicamente não é eliminado por estratégias de fabricação de imagem, por mais que, em algum nível, o engodo possa neutralizá-lo e/ou confundi-lo. Mesmo nesses casos, nada garante que a imagem-conceito seja construída conforme desejado, pois não se trata de uma inscrição em uma tábua rasa/imaculada.

A imagem-conceito não é uma questão de verdade ou de coerência. Nem o é de transparência ou de ética. Tampouco se reduz à comunicação. Antes, transcendendo a essas questões isoladas, constróise na/sobre a significação que resulta da complexidade relacional entre as entidades (materiais, fantasiosas, virtuais e/ou oníricas) e suas alteridades (sujeitos/públicos). Dessa relação dialética/dialógico-recursiva, irrompe em associações, expurgos, transformações, transposições e tudo mais o que a competência semiósica do sujeito/público permitir e puder realizar (Baldissera, 2004, p. 283).

Essas questões lançam luzes sobre a centralidade que as noções de imaginário e cultura assumem para se compreender/explicar os processos de construção/fabricação da imagem-conceito, bem como sobre a noção de identidade e de processos identificatórios. Sob a perspectiva dos estudos de Geertz (1999), parte-se da compreensão de cultura como “rede de significação” e os indivíduos-sujeitos presos a ela. Importa dizer que a noção de sujeito, aqui empregada, fundamenta-se em Morin (1996), para quem o indivíduo é um ser “computante”; ao mesmo tempo, o sujeito é autônomo e dependente do ambiente (perspectiva dos sistemas abertos). O fato de se auto-organizar o caracteriza como autônomo, porém, para realizar tal organização necessita/depende de energia externa. Assim, supera-se a idéia de ser sempre-já determinado (Althusser, 19--, dentre outros) e atualiza-se a compreensão de sujeito como agente no/do processo de construção de si mesmo, bem como do seu entorno (material e/ou simbólico). Deslocado de um lugar de passividade, subjugado ao entorno, o sujeito é pensado como força em tensão de diálogo, portanto, também, como propositor e criador do mundo.

No entanto, isso não significa que o sujeito sempre esteja agindo de maneira consciente. Antes, quer parecer que nas diversas realizações ele se manifesta em/com diferentes níveis de consciência. Sob essa organização semovente, o sujeito materializa relações e interações que, concomitantemente, desorganizam/(re)organizam a si mesmo e também ao entorno sociocultural. Dessa forma, tende a realizarse como lugar/processo/sistema de auto-preservação; contribui para evitar a cristalização ecossistêmica, e a sua própria.

Dito isso, na direção de a cultura ser uma “rede de significação”, conforme Geertz (1999), parece evidenciar-se que sujeito e cultura, à medida que a rede é tecida, transformam e são transformados, ou seja, ao tecer a cultura/imaginário, preso às teias de significação, [...] o sujeito enreda-se/é tecido por eles [...] recebe prescrições e proscrições sobre o que deve pensar e como deve agir no grupo e frente aos demais grupos socioculturais, para ser positivamente sancionado. Isto é, a cultura, o imaginário e os paradigmas procuram orientar/‘determinar’ o lugar que o sujeito pode/deve assumir na estrutura sociocultural. No entanto, quer parecer que ele tende a dialogar, disputar, usurpar, apropriar-se, criar e recriar esses lugares. Porém, não significa que faça isso apenas para resistir à ordem posta, ou como forma de enfrentamento, mas também para atualizar (consciente/ inconscientemente) o saber-fazer, a possibilidade de exercício de criação; pode apropriar-se dela e inventar novas formas de consumi-la e/ou, mesmo, de subvertê-la (Baldissera, 2004, p. 273).

Mais do que simples resultado da cultura e do imaginário, o sujeito realiza-se como elemento de desordem/desorganização. Sob a arquitetura dos sistemas abertos, pode-se dizer que se trata da necessária desorganização à organização, ou seja, ao exercer-se como força em diálogo, o sujeito tende a provocar desorganização pois que, conscientemente ou não, age sobre a cultura e o imaginário à medida que procura convertê-los em domínios próprios, assimilando-os. Dessa maneira, é provável que, em algum nível e de alguma forma, transforme a tessitura simbólica cultura-imaginário, mesmo que não queira, pois que na tentativa de sua apreensão tenderá a apenas apropriar-se de partes do todo complexo; não o apreende por completo. A partir do que internaliza, (re/des)organiza a cultura-imaginário, com base em suas competências eco-psico-físio-sócio-culturais, articulando-os ao seu repertório.


BALDISSERA, R. Comunicação, identificações e imagem-conceito. In: UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006). Disponível em: http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Baldissera.PDF. Acesso em Janeiro de 2008.


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